Energy

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terça-feira, 29 de julho de 2014

Pragmatismo ou jogo sujo?

De acordo com notícia publicada no Oilprice.com, o Japão está a promover o financiamento bonificado de tecnologia para centrais a carvão entre vários países asiáticos em vias de desenvolvimento, no que está a ser visto por muitos países europeus e pelos EUA como uma medida  negativa que surge em contra-ciclo face ao que tem sido feito pelos próprios (os EUA suspenderam este tipo de incentivo em 2013). Segundo estes, tais apoios aumentarão a competitividade do carvão, conduzirão a mais centrais a carvão e, em consequência, ao aumento das emissões globais.
Os argumentos japoneses são opostos. O Japão invoca que estas centrais seriam inevitavelmente construídas e que a sua tecnologia permitirá uma redução significativa de emissões, ao mesmo tempo que prevê conseguir negócios no valor de 4 biliões de dólares. Refere mesmo que se todas as centrais a carvão na China, Índia e EUA substituíssem a tecnologia existente pela tecnologia promovida pelo Japão, a redução de emissões seria de cerca de 1,5 biliões de toneladas de CO2 por ano, superior à totalidade das emissões japonesas em igual período.
Estamos claramente numa zona cinzenta em termos de decisão ambiental. Se por um lado muitas daquelas centrais seriam de facto construídas - e mais vale que disponham de tecnologia que minimiza o seu efeito poluidor - outras talvez apenas vejam a luz do dia devido aos incentivos nipónicos, substituindo alternativas eventualmente menos poluidoras. Isto, claro, em termos de conceitos abstractos de redução das emissões globais.
No entanto, a questão mais interessante relativa a este tema e que ainda não parece ter sido levantada prende-se com os benefícios colaterais dos japoneses ao promoverem a opção do carvão (e os prejuízos para, por exemplo, os americanos). 
Desde o acidente de Fukushima e da decisão de suspensão das suas centrais nucleares que o Japão se tornou num sorvedouro de carvão e gás natural. A promoção das centrais a carvão entre os restantes países asiáticos, muitos deles seus vizinhos, retirará certamente alguma pressão sobre a procura de GNL, permitindo aliviar duplamente a sua balança comercial, através da venda das centrais e da compra do gás natural.
Quanto aos EUA, são hoje excedentários de gás natural, existindo pedidos de autorização da Exxon às autoridades americanas para exportar do Alasca para o mercado asiático. A própria Exxon é a promotora de um dos maiores projetos de GNL do mundo, na Papua Nova Guiné, que tem já vários contratos assinados com empresas japonesas, pelo que qualquer iniciativa que possa conduzir a uma redução do preço do gás no mercado asiático será visto como uma ameaça económica para os americanos.
Como se constata, em política energética, as coisas raramente são (apenas) o que parecem...


sexta-feira, 25 de julho de 2014

“The Changing Face of World Oil Markets”


Os últimos 10 anos marcaram uma mudança de paradigma em termos de produção mundial de petróleo, com um impacto significativo no consumo global, não se prevendo alterações de padrão para os próximos anos. As conclusões são de James D. Hamilton, da Universidade da Califórnia, San Diego, sustentadas em dados reais de produção e consumo das últimas décadas, estão disponíveis aqui e merecem, pela sua relevância, ser analisadas em pormenor.

Segundo Hamilton, desde 2005 assistimos a uma queda do consumo de petróleo nos países desenvolvidos, o qual se situava em 2012 em valores próximos dos de meados da década de 90. Pelo contrário, assistiu-se a uma aceleração do crescimento do consumo nos países emergentes, que representaram 55% do consumo mundial de petróleo em 2013. Embora o crescimento do consumo dos países emergentes fosse já projetado, o consumo mundial ao longo da última década foi ano após ano inferior ao estimado.

Para se ter uma noção do desvio ocorrido, a US Energy Information Agency (EIA) projetou em 2001 um consumo mundial de 118 milhões de barris/dia para 2020, o qual foi reduzindo ao longo da década até um valor de 92,5 milhões de barris/dia nas suas previsões de 2010. Trata-se de uma redução de 22% no consumo mundial de petróleo, a qual não é justificada por uma redução equivalente do crescimento do PIB mundial. De facto, assumindo uma elasticidade histórica de 0,7 entre PIB e consumo de petróleo (ou seja, a subida de 1,0% no PIB estar tipicamente relacionada com uma subida de 0,7% no consumo de crude), face a um crescimento do PIB mundial de 27,7% entre 2005 e 2013 seria previsível, a preços constantes, um aumento do consumo de crude de 19,4%. O valor real foi de 3,1%.

A razão para a quebra desta relação deveu-se, segundo Hamilton, à incapacidade da produção em acompanhar a procura, nomeadamente nos crudes convencionais, forçando o preço do crude a subir, desincentivando progressivamente o seu consumo e favorecendo soluções alternativas. Esta escassez de crude justifica também o agravamento do diferencial entre a sua cotação e a do gás natural (em especial nos EUA, devido à crescente produção de gás de xisto).

Hamilton faz também uma descrição das várias causas para a incapacidade da indústria mundial em acompanhar a procura, identificando nomeadamente motivos de ordem geopolítica, ressalvando no entanto que a principal causa parece ser de origem geológica e tecnológica e que só o fenómeno do shale oil nos EUA tem permitido mitigar os défices estruturais da indústria. Em jeito de conclusão, Hamilton prevê que o preço do crude se mantenha, de forma sustentada, acima dos $100/barril.

Trata-se de um estudo interessante e que deixa várias questões para análise futura.

Em primeiro lugar, sobre qual o real peso do óleo de xisto na produção futura, parecendo depender em parte do seu sucesso a capacidade de manter os níveis atuais de produção mundial de crude. Hamilton também o refere, alertando para as muitas dificuldades logísticas e administrativas que este tipo de produção não convencional acarreta em comparação com a exploração convencional ou offshore, visto estar sustentada num ritmo quase frenético de perfurações, com a produção a cair, em média, para 20% da inicial após 2 anos de produção. Caso não se confirme a euforia em torno desta nova fonte de hidrocarbonetos, é previsível um agravamento dos défices globais e uma nova escalada do preço do crude.

Em segundo, sobre a relação entre os custos de produção das várias alternativas existentes e os equilíbrios que se gerarão entre elas nos vários mercados energéticos (geográficos e setoriais). Tendencialmente, apesar do enorme peso que o crude continua a ter no perfil mundial de consumo energético, é expectável – apenas pela variação do custo – um aumento do incentivo ao investimento e produção de outras formas de energia, nomeadamente renováveis, não sendo porém de esquecer soluções menos românticas, como o carvão e o nuclear.

Em terceiro lugar, será também muito interessante analisar as alterações comportamentais resultantes deste aumento do custo da energia nos mercados em que as alternativas ao crude são praticamente nulas, como são os setores dos transportes e a indústria petroquímica, precursora de grande parte dos objetos de grande consumo. Mas isto ficará para outro artigo.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Ucrânia, Gaza e Big Data

Segundo notícia do JNeg, o economista-chefe do SaxoBank veio dar conhecimento do previsível abrandamento do crescimento económico decorrente da crise na Ucrânia e na faixa de Gaza, devido à instabilidade criada na região, que automaticamente contagiou o preço do petróleo, levando à sua subida. Mais dinheiro gasto em energia implica no médio prazo menos consumo de outros produtos e mais défice público.

Curiosamente, boa parte do capital gasto em energia acabará por entrar no cofre dos países produtores de petróleo, ou seja, teremos a Rússia (ou pelo menos o setor petrolífero russo) e os países árabes a tirar proveito indireto de eventos que de alguma forma influenciam.

Não quero com isto promover teorias da conspiração e nem penso que exista esse propósito na atuação dos vários agentes envolvidos, tratando-se (por agora) de um efeito colateral, mas serve este exemplo para nos apercebermos dos vários tons de cinzento que habitualmente existem na análise de quaisquer fenómenos e da importância de compreender a relação causa-efeito dos mesmos.

Embora esta leitura e interpretação se possa fazer - como foi o caso - através de uma análise qualitativa e pelo conhecimento pessoal previamente adquirido, é possível hoje em dia identificar muitas destas correlações por análise de dados e correlação de variáveis, permitindo-nos muitas vezes encontrar padrões ocultos e compreender melhor o mundo que nos rodeia. É a isto que o mundo tecnológico chama Big Data, um jargão anglo-saxónico para a capacidade de, a partir de dados agrupados em séries e através de ferramentas de processamento e computação robustas e complexas, encontrar tendências ou padrões invisíveis ao comum dos mortais. Lembram-se do Matrix e daquela cascata verde de código? Exato.

Para o setor energético este tipo de análises permite, entre muitas outras coisas, compreender melhor os perfis de consumo, antecipar tendências e alisar efeitos, conduzindo a uma mais eficiente gestão dos recursos disponíveis, com benefícios para todos os consumidores.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Os 3 eixos da política energética

A Energia é muito provavelmente o setor de atividade que, de forma isolada, mais afeta a vida da generalidade das pessoas, independentemente da sua localização geográfica, da sua situação socioeconómica ou da sua faixa etária.

A correta análise de tendências e incertezas é fundamental para a otimização do consumo dos recursos disponíveis (materiais, financeiros e humanos) e deve sempre assentar na avaliação integrada de três eixos complementares: a segurança de abastecimento, a competitividade económica e a sustentabilidade ambiental.

Esta avaliação, incidindo sobre cada fonte de energia primária e suas respetivas cadeias logísticas, permitirá mitigar os riscos endógenos de cada opção e conduzir à criação de um cabaz energético equilibrado e adequado ao mercado a que se destina.

O Santo Graal da Energia seria a solução que, para cada tipologia de consumo, garantisse total segurança de abastecimento, máxima competitividade económica e não tivesse qualquer impacto ambiental. Não existindo, há que comparar as várias alternativas e identificar aquelas que, de forma integrada, permitem criar a solução mais equilibrada para cada perfil de oferta e procura.

Este processo é dinâmico, na medida em que as variáveis estão em permanente mutação (fazendo jus ao seu nome) e obrigam a uma constante revisão de cenários à luz de novos factos ou suposições. Todos os dias surge informação que, mesmo de forma subtil, provoca alterações nos pressupostos assumidos e faz oscilar a probabilidade dos vários cenários existentes. Por vezes, um anarquista assassina um arquiduque e provoca um conflito à escala mundial. Outras vezes, um sismo com tsunami dá origem a uma situação catastrófica numa central nuclear.

Ainda a título de exemplo, lembremo-nos, nos últimos meses, da escalada do conflito na Ucrânia, ponto de passagem de uma importante parcela do gás natural consumido na Europa ou do continuado clima de guerra civil na Líbia, cujo crude tinha um peso relevante no cabaz de consumos das refinarias o Sul da Europa, em especial Itália. Ambos os eventos têm consequências para o mercado energético europeu e, de forma mais localizada, para o mercado energético português. Um impacto positivo para um dado ator de mercado (seja ele uma região, um país, uma empresa ou um indivíduo) terá à partida o efeito inverso para outras partes envolvidas.

Da mesma forma, porque as várias fontes primárias de energia tendem a competir entre si em função do fim a que se destinam, qualquer alteração de enquadramento numa delas impacta automaticamente na relação de forças entre elas.

Procurarei, no âmbito deste projeto, ir apresentando temas que considero relevantes para o mercado energético – em especial pelo impacto que possam ter na realidade europeia e, em especial, portuguesa – e dissecar as principais tendências ou incertezas por eles causadas, numa estrutura analítica assente nos três eixos acima descritos.

terça-feira, 1 de julho de 2014

“IRENA's Global Renewable Energy Roadmap (REMAP 2030)"

Foi recentemente publicado o novo estudo da Agência Internacional de Energias Renováveis (IRENA)  - “ReMap 2030” – que detalha a possibilidade de se duplicar o peso percentual das energias renováveis na factura energética mundial até 2030 (segundo o estudo, será possível atingir uma quota de 36% de utilização de energias renováveis).

Através de um estudo de 26 países (Portugal, infelizmente, não faz parte do conjunto de países analisados) a IRENA traçou o cenário actual (legislativo, económico e regulatório) do uso de energias renováveis nesses mesmos paises e quais as estratégias que devem ser implementadas para fazer aumentar esse mesmo uso. 

De acordo com o estudo recentemente publicado, aumentar o “peso” das energias renováveis até 2030 não só é possivel como é económicamente viável. Mais ainda, de acordo com o estudo, este objectivo poderá mesmo ser alcançado com recurso a tecnologia já existente.

Algumas das conclusões do estudo foram as seguintes:
  • O peso das energias renováveis na factura energética mundial pode exceder os 30% até 2030. Segundo o estudo, a combinação da utilização de tecnologia existente (actualmente) com um aumento de eficiência energética poderá elevar este número para 36%;
  • A manutenção das politicas actuais de utilização e incentivo à utilização de energias renováveis apenas conseguirão aumentar a percentagem de utilização para 21% até 2030;
  • Segundo o estudo, a transição para o uso de mais fontes de energias renováveis é económicamente viável, principalmente se forem tidos em conta os benefícios sócio-económicos que derivam de um menor uso de fontes de energia não renováveis.

Por forma a atingir o objectivo pretendido, o estudo indica que que os Estados devem, preferencialmente, a) criar e desenvolver planos de transição de uso de fontes de energia não renovável para fontes de energia renovável de forma ambiciosa e realista, b) criar um ambiente de negócios favorável ao uso de energias renováveis, c) promover a divulgação de opções tecnológicas (bem como o seu custo), d) tentar garantir a integração harmoniosa das energias renováveis na infra-estrutura energética já existente, e) promover a inovação e a aposta no desenvolvimento tecnológico.  

Este estudo apresenta algumas conclusões bastante interessantes pelo que recomendo vivamente a sua leitura como um dos elementos de base para a discussão das opções a tomar (no futuro) relativamente à sustentação de um “mix” energético português equilibrado.


Link para o perfil de utilização de energias renováveis em Portugal (análise da IRENA): http://www.irena.org/REmaps/countryprofiles/Europe/Portugal.pdf#zoom=75

O mito da concentração dos recursos petrolíferos

É recorrente ler-se e ouvir-se sobre a dependência mundial face aos países árabes e apontar-se a culpa para a pouca dispersão dos produtos petrolíferos no globo. É esse também o argumento apontado para a maior volatilidade do petróleo face ao carvão, historicamente menos volátil que o crude. Essa ideia prevalece na opinião pública em geral e até em alguns meios na área da energia.

Simplesmente, olhando para os dados da produção das principais fontes de energia primária fóssil – petróleo, carvão e gás natural – a realidade afasta-se um pouco desta concepção.

No caso do gás natural observa-se um domínio da América do Norte e da Eurásia que representavam, em 2012 quase metade da produção mundial.

(Dados para 2012 da US Energy Information Agency)

Por países observa-se EUA e Rússia dominam o panorama mundial cada um com quotas que rondam os 20% da produção mundial sendo que os países que se seguem no ranking apresentam quotas iguais ou inferiores a 5%.

(Dados para 2012 da US Energy Information Agency)

No caso do carvão a região dominante é a Ásia & Oceania com mais de 2/3 (!) da produção mundial.


(Dados para 2012 da US Energy Information Agency)

Por países, a predominância da China é clara com quase metade da produção mundial seguido de EUA e índia. Os restantes países apresentam quotas iguais ou inferiores a 5%.


(Dados para 2012 da US Energy Information Agency)

No caso do crude temos de facto uma predominância do Médio Oriente com quase um 1/3 da produção mundial

(Dados para 2013 da US Energy Information Agency)

Mas, por países, a situação é bem distinta. O país que actualmente lidera a lista de produtores mundiais é a Rússia ligeiramente acima da Arábia Saudita e dos EUA. Nesta lista os países da OPEP só voltam a aparecer a partir do 6º lugar.

(Dados para 2013 da US Energy Information Agency)

Observa-se então que numa desagregação por países, o crude é das fontes primárias de energia melhor distribuídas. E, curiosamente, o combustível com maior índice de concentração é o carvão que,por sua vez, também é o que tem um preço relativamente menos volátil.


Sendo inegável o grande peso dos países do Médio Oriente e o impacto da OPEP na definição do preço do crude, o argumento da concentração da produção numa só região do globo é um mito. Portanto, a haver uma explicação para a dependência do resto do mundo face aos países árabes terá de passar por outros argumentos que irão ser explorados em próximos posts bem como a análise da volatilidade dos preços do carvão e do crude.