Energy

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sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Quo Vadis, Brent? - O papel da Arábia Saudita

Regressando ao tema da queda recente das cotações de referência do petróleo bruto e na sequência da parte final do meu último artigo, recomendo a leitura da apresentação Saudi Arabia’s Oil Policy in Uncertain Times: A Shift in Paradigm?, feita por Bassam Fattouh, do Oxford Institute for Energy Studies, que analisa a inacção da Arábia Saudita (AS) face a esta forte queda na cotação do crude, estruturando em 2 grandes blocos as potenciais causas por trás da estratégia saudita:

1. Razões de ordem económica

- A AS poderá ter interesse económico de longo prazo em ter um preço de crude mais baixo, que reduza o incentivo ao desenvolvimento de alternativas disruptivas à produção convencional. No entanto, os sinais dados nos últimos anos ao mercado não vão neste sentido.

- A AS está disposta a tolerar preços mais baixos no sentido de garantir quota de mercado e pressionar oferta iraniana e iraquiana, tendo capacidade económica  para lidar com défices orçamentais temporários. No entanto, esta estratégia conduz a menores receitas absolutas, pelo que numa análise estritamente económica faz pouco sentido.

- A AS sente-se impotente perante esta queda de preços, considerando que a melhor solução passa por deixar o mercado decidir o seu caminho e continuar a satisfazer os seus clientes.

- O crude saudita é tipicamente um crude pesado (entenda-se crude que após destilação dará origem maioritariamente a gasóleo e fuéis) ao passo que os excedentes no mercado, por via do aumento de produção dos EUA, são de crudes leves/condensados, que originam em maior proporção GPL e naftas. Retirar crude saudita do mercado não resolveria os desequilíbrios de balanço existentes.

2. Razões de ordem política

- A AS pode ter como objectivo colocar pressão sobre os orçamentos da Rússia e Irão, dois produtores com interesses estratégicos na região do Médio Oriente, que os poderá obrigar a rever as suas opções geopolíticas. A suceder seria a primeira vez desde o embargo de 1973 que a AS usaria a sua produção como arma política, pelo que parece pouco provável.

- A AS vê nesta queda do preço uma oportunidade para provocar um abrandamento da produção nos EUA, principal responsável pelo excesso de oferta existente no mercado.

- Após alguns anos de falta de coesão na OPEP, a AS pode ter optado por aproveitar esta queda dos preços para pressionar o cartel e forçar o regresso a um período de maior disciplina. A suportar esta opção estão afirmações recentes de responsáveis sauditas, criticando os restantes membros e manifestando estarem determinados a terminar com a sua posição de fiel da balança. No entanto, dada a pressão orçamental de vários membros, preços mais baixos apenas deverão conduzir a menor disciplina e incumprimento do sistema de quotas.

Mais do que respostas, ficam dúvidas e perguntas que o tempo deverá ser capaz de esclarecer.






quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Enquadramento global do gás natural II

Nos anos 90, Estados Unidos e Rússia dominavam a produção mundial mas o panorama tem vindo a diversificar-se progressivamente e os países do Médio Oriente e Ásia têm vindo a assumir um papel relevante no panorama internacional com pesos acima dos 10%. Segundo dados de 2012, os Estados Unidos ainda dominam a lista de produtores mundiais seguido de muito perto pela Eurásia e são conjuntamente responsáveis por metade da produção.


A América do Norte lidera a exploração do gás não convencional (ou shale gas) o que fez aumentar a produção de gás natural de forma significativa e, não havendo infraestruturas suficientes fazer escoar to o potencial de produção, baixou preço a nível interno sem impactos directos significativos nas quantidades disponíveis no mercado internacional. Sendo um fenómeno recente, os EUA ainda estão na fase de adaptação dos seus terminais de GNL do “modo” importador para o “modo” exportador. Mas apesar disso, as repercussões desta revolução na área do gás já se fizeram sentir com impactos não só ao nível do mercado de gás natural como também do carvão e dos refinados de crude. Basicamente, deixando os EUA de importar uma quantidade significativa de energia, a pressão do lado da procura de diversos combustíveis abrandou uma vez que este país é dos maiores consumidores de energia do mundo.

Apenas 30% da produção mundial de gás natural é exportada. A Rússia é o maior exportador de gás natural do mundo e, dentro do grupo dos maiores exportadores, é o único que tem uma procura interna significativa a nível mundial. Os restantes países deste grupo têm um sector de gás dedicado à exportação. A Rússia é talvez o player mais importante no mercado global de gás natural uma vez que está no grupo dos maiores e exportadores, consumidores e produtores.



O mercado global de gás natural não está de forma nenhuma uniformizado distinguindo-se antes 3 grandes áreas:
  • ·         América do Norte: onde os preços são determinados em hubs virtuais sendo basicamente as forças de mercado a determinar o preço;
  • ·         Ásia-Pacífico: onde os preços são indexados, pelo menos parcialmente, ao preço do crude e/ou de um cabaz de produtos derivados do petróleo;
  • ·         Europa: que se encontra numa fase de transição entre preços indexados e preços determinados em mercado(s) spot.



A pressão no sentido de uma “autonomização” do preço do gás natural tem aumentado a par dos volumes de gás transaccionados e na medida em que os condicionalismos da procura e oferta se têm vindo a distinguir cada vez mais dos condicionalismos ligados ao mercado do crude. As zonas de importação líquida de gás natural como é a Europa são as que têm tomado mais iniciativas no sentido de implementar plataformas de mercado que permitam preços inferiores ou pelo menos mais de acordo com as condições de procura e oferta, menos sensíveis à turbulência do crude e criando oportunidades de arbitragem no acesso a fontes de energia primárias (gás natural e carvão) principalmente na área de produção de electricidade.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Quo vadis, Brent?

A cotação do Brent tem vindo a cair deste Julho, estando já nos $85/bbl, como se pode ver no gráfico abaixo (fonte quartz.com).
Esta queda de 20% no valor da principal referência indexante do petróleo bruto colocou os  mercados financeiros em ebulição, com os analistas do sector a discutir as causas e consequências desta acelerada descida.



De uma forma simples e muito qualitativa esta tendência coloca pressão nos investimentos em curso em todo o mundo para manter/aumentar a produção petrolífera. Sendo a cotação do crude, tirando-lhe o ruído de fundo dos investimentos especuladores, um reflexo da oferta e procura, o mercado abastece-se da oferta mais barata para a mais cara e isso tinha colocado o preço do crude em cerca de $100/bbl nos últimos anos.
Então o que terá provocado tal queda? Aparentemente um crescimento inferior ao esperado da economia mundial, com impacto directo no consumo de crude, e um aumento superior ao previsto da produção, fortemente justificado pela explosão da produção nos EUA nos últimos 3 anos, responsável pela maioria do aumento de produção mundial neste período.

Principais consequências dos actuais preços, caso se prolonguem no tempo?

1. Redução/suspensão de vários investimentos de Oil & Gas, dos mais caros para os mais baratos. A revisão das projecções da procura mundial levará a uma redução das necessidades futuras de produção de crude que deixará de fora do mercado as produções mais caras. Porque não existe uma visão concertada do mercado mundial, a retracção nos investimentos tenderá a ser superior à matematicamente necessária, dada a incerteza das variáveis em análise e o comportamento tipicamente conservador dos agentes económicos (ou seja, assumirem como naturais as referências macroeconómicas vigentes), o que deverá dar origem a novo ciclo altista quando a procura recuperar e não for acompanhada pela produção. Este é o ciclo natural das commodities se a realidade geopolítica não decidir distorcer o business as usual...

2. Pressão orçamental em muitos países produtores de petróleo - Ora se há sector de actividade fortemente condicionado pela realidade geopolítica, é o da energia e em especial o do petróleo bruto. Preços do Brent inferiores a 80$/bbl vão colocar uma enorme pressão sobre regimes cujos orçamentos são maioritariamente financiados pelas receitas petrolíferas (e muitos deles, como a Venezuela ou o Irão, com défices orçamentais estruturais).

3. Redução dos défices comerciais de países consumidores - Por outro lado, são muitas as nações/blocos que saem beneficiados pela queda dos custos energéticos - desde já a União Europeia, quer em termos geoestratégicos pela fragilização da posição negocial russa, cujo orçamento de estado tem uma enorme dependência das suas receitas de Oil&Gas, quer em termos económicos pela diminuição da factura energética, que poderá permitir ganhar umas décimas no crescimento do PIB e aliviar a pressão económica e social existentes em vários estados-membro. Os EUA serão provavelmente o principal vencedor no curto prazo, pois são agentes relevantes quer em termos produtivos quer como consumidores. Afinal de contas, foi o aumento da sua produção que provocou este abanão no xadrez energético mundial (a Quartz fez uma análise interessante sobre este tema, que podem ler aqui). No entanto, um período muito longo de preços deprimidos deverá conduzir a redução dos novos investimentos em curso nos EUA e pôr em causa o novo equilíbrio energético do país.

Existe ainda um terceiro elemento que parece estar a tentar tirar partido deste novo enquadramento, a Arábia Saudita.  O custo unitário da produção saudita é dos mais baixos e mais amortizados do mundo. Se há produtor que pode viver alguns anos com preços baixos do crude, desde que reequilibrando o seu orçamento, são os sauditas. Podemos ver no gráfico abaixo - retirado de um documento do Arab Petroleum Investments Corporation disponível aqui - que, tirando pequenos estados da Península Arábica (tipicamente seus aliados) e Angola, a Arábia Saudita apresenta o mais baixo breakeven fiscal entre membros da OPEP.


Além do mais, importa perceber os fortes investimentos realizados pelos sauditas nos últimos anos em refinação e petroquímica, que os tornaram muito mais que um mero fornecedor de crude, sendo hoje um player verticalmente integrado na cadeia do petróleo bruto.
Não será de estranhar que tentem encostar à parede os seus grandes rivais regionais, o Irão, podendo em simultâneo colocar tanta pressão do lado produtivo que acabem por provocar o adiamento de investimentos não convencionais, nomeadamente óleo de xisto - não só nos EUA (ver este artigo na Forbes e este no FT) mas na Argentina e China, que detêm duas das maiores reservas mundiais - e areias betuminosas, que requerem forte Capex (investimento inicial) e apresentam custos marginais relativamente altos.
Como o consumo mundial está em permanente crescimento, resta perceber quanto aumento de produção irá esta queda do crude retardar e que aumento do crescimento económico irá ela potenciar para se saber quanto voltará o preço do crude a subir. Podem ser alguns meses ou 2 ou 3 anos...







segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Nigéria - "Case Study"

Foi publicado recentemente o "Africa Energy Outlook", uma secção especial do "World Energy Outlook series 2014" (publicado pela Agência Internacional de Energia).

Entre algumas conclusões mais ou menos surpreendentes, uma das que me chamou mais à atenção foi a conclusão de que, em principio, a Nigéria deixará de ser o maior produtor de petróleo em Africa, sendo substituída por Angola no período de 2016-2020 (podem ver uma noticia sobre este assunto aqui). As razões apontadas são a incerteza jurídica que se vive no sector petrolífero nigeriano e a praga de "roubos" e "vandalismo a oleodutos" que teima em ocorrer na Nigéria.
 
Esta conclusão, longe de ser surpreendente para quem tenha acompanhado as movimentações no sector petrolífero destes dois países nos últimos anos, é reveladora de como não basta "ter petróleo" (Venezuela? alguém?) para se fazer um correto aproveitamento das potencialidades a nível económico que ter uma abundância de recursos naturais "naturalmente" traz.
 
Para se perceber um pouco das razões que levam a Nigéria a perder a sua "coroa", sugiro uma leitura deste artigo que demonstra bastante bem um dos problemas que mais afetam a indústria petrolífera nigeriana.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Desmistificação do combate às alterações climáticas

Que se engane quem achar, pelo título do artigo, que pretendo refutar a existência de impactos ambientais globais causados pela intervenção humana. Eles estão, de uma forma ou de outra, por todo o lado e em especial no chamado terceiro mundo, onde a inexistência de um estado de direito correctamente estabelecido, com transparência e estabilidade do ordenamento jurídico e um sistema de incentivos claro impede o desenvolvimento de uma perspectiva conservacionista, privilegiando o consumo imediato e a desvalorização das externalidades negativas. Muitas dessas sociedades nunca viveram com a abundância de bens de consumo com que se deparam hoje - pelo que não desenvolveram mecanismos formais para as integrar no seu sistema social e económico. Mesmo no dito primeiro mundo estamos ainda a procurar o(s) melhor(es) mecanismo(s) para incorporar o custo/valor dos produtos em todo o seu ciclo de vida.

 A emissão isolada de gases ou materiais num mundo virgem e impoluto dificilmente será vista como ameaça séria ao ecossistema envolvente. Mas a sua multiplicação por milhões é a responsável por muitos dos problemas ambientais com que nos defrontamos, a maioria deles de dimensão local ou regional, como sejam as enormes lixeiras a céu aberto que vemos nos maiores bairros de lata do mundo, mas alguns de carácter global, como os relacionados com as emissões de gases ou a poluição dos mares.

Da necessidade de mudar práticas e hábitos penso que qualquer cidadão informado estará consciente. No entanto, existem vários caminhos alternativos  rumo ao suposto desenvolvimento sustentável e que merecem uma análise individualizada. Esta questão é talvez a nova fronteira da discussão ideológica e política, razão pela qual muitos dos opositores do sistema económico e social que saiu vitorioso da Guerra Fria vêm neste tema a oportunidade que procuravam para justificar a falência moral e a insustentabilidade do mesmo (o melhor exemplo disto mesmo é o mais recente livro de Naomi Klein, This Changes Everything:Capitalism vs the Climate).

Muitos destes movimentos, na sua essência contrários ao sistema capitalista, exigem mudanças impossíveis e na maioria dos casos indesejáveis e  contraproducentes para a construção de um percurso longo, complexo e de impacto civilizacional como é o da transição de uma economia do carbono para uma economia suportada por fontes de energia limpas e amplamente disponíveis.


O crescimento económico dos últimos 200 anos decorre dos movimentos liberais do século XVIII, que promoveram o desenvolvimento científico e a economia de mercado (a qual só é verdadeiramente possível havendo efectivamente um mercado e não meia dúzia de senhores feudais). Este processo criou um ciclo virtuoso de progresso, fortemente alavancado no aumento de intensidade energética decorrente do conhecimento apreendido pelo Homem nesse período, que lhe permitiu tirar partido de enormes reservas de energia contidas na terra na forma de hidrocarbonetos.


Durante dois séculos o crescimento económico esteve associado ao aumento da intensidade energética. Primeiro o carvão e depois o petróleo alimentaram a economia mundial, permitindo aumentar a intensidade da actividade económica. No entanto nas últimas décadas, fruto do trabalho desenvolvido ao nível da eficiência energética e da optimização processual mas também do advento da revolução digital,  começámos a assistir a uma redução da energia consumida em função do PIB. Como se pode ver no gráfico acima  (retirado do site Enerdata) esta tendência não é apenas dos países da OCDE, que deslocalizaram muita da sua indústria pesada para países em vias de desenvolvimento, mas global. Não significa, claro, que o consumo de energia esteja a diminuir, visto que o PIB global tem crescido a um ritmo de cerca de 3-4% por ano, mas é um sinal claro e muito positivo de mudança.

Os principais precursores desta mudança não foram os movimentos ambientalistas dos anos 60 e 70, mas o trabalho científico levado a cabo pelas forças vivas da economia de mercado, que promoveram soluções energéticas mais eficientes e económicas, que reuniram o capital de risco necessário para o desenvolvimento de tecnologias que conduziram à exploração cada vez mais competitiva dos recursos eólicos e solares e também para a revolução digital, que permite hoje uma redução inimaginável das necessidades de recursos materiais e energéticos por unidade produzida. Quem quiser pode hoje ler todos os seus livros, ver todos os seus filmes, ouvir toda a sua música e ter acesso a toda a informação que deseje tendo apenas um smartphone, um tablet e/ou um laptop. Compare-se a intensidade energética desta realidade com a alternativa material, mesmo contabilizando toda a energia que suporta esta nova realidade, e facilmente se compreende a tendência do gráfico acima.

Se a isto acrescentarmos uma redução das emissões por unidade energética em virtude do papel das energias renováveis e da substituição do carvão pelo gás natural, que decorre do forte investimento levado a cabo pela indústria de Oil&Gas nos últimos 20 anos, percebemos a enorme alteração de paradigma que ocorreu.

Claro que toda esta mudança foi acompanhada por um crescimento económico global sem precedentes - em boa parte pela adopção pelas economias asiáticas, incluindo a China, de práticas económicas que haviam evitado por motivos políticos durante décadas -  que permitiu tirar centenas de milhões de pessoas do limiar da pobreza, com inevitáveis custos ambientais. Mas o caminho trilhado é muito positivo e os principais sinais apontam no sentido de um aumento da competitividade das alternativas menos poluentes, quer do lado da produção (fontes de energia menos poluentes e optimização da tecnologia com redução de emissões) quer do lado do consumo (eficiência energética, práticas mais conservacionistas e digitalização da economia). Este caminho só foi possível através de regras de mercado cada vez mais transparentes e integradoras das várias externalidades existentes, que de forma gradual têm permitido aos vários agentes do mercado (fornecedores e consumidores) conduzir os hábitos de consumo para práticas cada vez mais sustentáveis. Por existir uma economia de mercado e não apesar dela. E só a continuação deste trabalho permitirá manter esse rumo e construir um mundo em que perto de 10 biliões de pessoas possam viver melhor que hoje e muito melhor que ontem.